O fato também inspirou um conto do escritor publicado há quase três décadas
Quando começou a escrever este romance? “Desde que nasci”, responde Menalton Braff, do outro lado da linha. O título explica a resposta. “Os olhos do meu pai” será lançado em outubro deste ano pela Editora Reformatório, que já publicou outras cinco obras do escritor gaúcho. Este é o 30º livro de Braff, às vésperas de comemorar 40 anos de sua carreira como escritor – em 2024.
A inspiração para a nova ficção vem de um caso real e, claro, da relação universal entre pai e filho. Quando criança, o menino Menalton esteve no local de uma tragédia, dois ou três dias após o acontecimento. Não esqueceu jamais.
O escritor comenta que existem duas motivações para um texto de ficção em literatura. “A primeira é temática, quando tenho uma ideia e preciso criar o espaço, personagens e tudo o que vai carregando a trama. A outra é figurativa. A gente vê algo, conhece uma história… a partir daí chega-se em um tema”, diz. E este foi o caso. A história virou o conto “O dia aprazado, o prazo vencido” que está publicado no livro “Na força de mulher”, o primeiro de contos, lançado em 1984. E agora, Menalton parte de um conto para escrever este romance que tem um trabalho de linguagem bastante apurado e poético.
Há outro componente nos bastidores do novo romance. “Lendo um livro de Freud, percebi que o tema que ele desenvolvia era parecido com a minha história”, acrescenta o escritor. O romance trata de uma tragédia rural, sem localização determinada, porque o autor não se interessou em caracterizar o espaço físico e, sim, o conflito – um conflito entre pai e filho, algo freudiano que passa pela questão do poder e do subalterno. “Isso, segundo Freud, sempre gera conflito”, resume. Além do pai, mãe, filho, duas filhas, uma tia e nora, poucas pessoas fora do núcleo familiar estão entre as personagens.
Jornalista, escritor e crítico literário, Joaquim Maria Botelho assina a orelha do livro: Esta é uma narrativa em vários tempos e em várias vozes. Falam mais alto um narrador que tudo vê e o protagonista que tudo vive — duas histórias dentro da mesma história, paralelas, tangentes, complementares. Tão profunda uma quanto a outra, enfeitadas da mesma enorme dimensão emocional. Afinal — e a escolha talvez explique muitas coisas dentro da história —, o nome Venâncio, em latim, significa “o que caça”.
Quarta capa
A quarta capa de “Os olhos do meu pai” adianta a atmosfera da tragédia.
“Debaixo do oiti é mais noite que em qualquer outro lugar do imenso terreiro aberto para o céu, uma noite esconderijo. Sentado na mancha escura, com as costas fazendo o tronco de espaldar, Venâncio não vê que é noite porque a escuridão que mais pesa ele carrega dentro de si. O tempo está congelado: não passa mais. Sua vida, agora, é apenas uma sensação de peso que transborda, ultrapassando os limites de seu corpo. Às vezes sacode a cabeça e pisca, antes de soltar a fumaça azul do cigarro, que se contorce em espirais e sobe até sumir entre os galhos mais baixos da copa. Seus olhos acompanham vazios a coreografia da fumaça, mas seus olhos estão opacos e não lhe dão notícia nenhuma. À sua frente, no extremo oposto do terreiro, Venâncio vê as largas janelas da sede iluminadas e não entende qual o significado de estarem lá com seu clarão.”
Menalton Braff
Em 1987, o então professor decidiu aposentar-se do magistério e do burburinho da capital paulista. Escolheu a pacata Serrana, no interior, hoje com quase 44 mil habitantes, ao lado de Ribeirão Preto. É lá, onde viu colocarem cada tijolo da casa em que vive, que mantém uma rotina organizada de produção literária. Escreve com bastante frequência. Quando mudou para o interior, passou bons anos produzindo textos sem pressa de publicar. Então, revela, ainda tem muito material “na gaveta”. Não raro, o editor Marcelo Noceli reúne-se com o romancista em meio aos livros e uma boa conversa.
Menalton é vencedor dos prêmios Jabuti, com o livro de contos “À sombra do Cipreste” (2000), e Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional, com o romance “Além do Rio dos Sinos” (2020). Conquistou o selo Altamente Recomendável da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, com “Castelo de Areia” (2016), além de inúmeras classificações como finalista e semifinalista de importantes premiações literárias.
Editora Reformatório
Uma das poucas editoras voltadas exclusivamente para a literatura brasileira contemporânea, a Reformatório surgiu em 2013. Em 2015 lançou o selo Pasavento, para publicações de livros de não-ficção. São 212 livros publicados, de 175 autores diferentes. A editora conquistou dois Prêmio São Paulo de Literatura (2016 e 2018) e três Prêmio da Biblioteca Nacional (2020, 2021 e 2022). Desde 2015, tem um ou mais títulos finalistas nos maiores prêmios da literatura brasileira. 50% do catálogo é formado por autores estreantes. Tem três obras com direitos vendidos para outros países/línguas, com livros publicados nos EUA e Líbano. Parceira do Festival MIX Brasil, promove o Prêmio Caio Fernando Abreu, uma vez por ano, que tem como premiação a publicação da obra inédita vencedora de autor estreante com temática LGBTQIAP+. Agora, está iniciando a publicação de livros de autores contemporâneos dos países de língua portuguesa.