Dermatologista e hansenologista, o médico Marco Andrey Cipriani Frade desenvolveu um novo esquema de tratamento contra a hanseníase que tem mostrado efetividade até contra formas mais resistentes da doença. O modelo de tratamento acaba de ser apresentado no maior congresso mundial sobre o tema – o 21° Congresso Internacional de Hanseníase, em Hyderabad (Índia) – e é tema de palestra no 16º Congresso Brasileiro de Hansenologia, em dezembro, em Vitória/ES, evento que também recebe os maiores especialistas brasileiros e estrangeiros.
No Brasil, 8,5% dos pacientes submetidos ao tratamento convencional apresentam bacilo resistente à Rifampicina – entre os casos novos, o percentual de resistência sobe para 15,6% –, que é a droga mais bactericida do esquema poliquimioterápico (PQT) usado há 40 anos no protocolo SUS para tratar o paciente de hanseníase. Os dados são de um estudo divulgado em 2018, pela OMS (Organização Mundial de Saúde), que avaliou o DNA de 600 amostras do bacilo causador da doença colhidas em diferentes partes do todo o mundo.
Desde 2015, a equipe do médico Marco Andrey, vice-presidente da SBH (Sociedade Brasileira de Hansenologia) e docente da Faculdade de Medicina-USP Ribeirão Preto, tem desenvolvido um modelo de tratamento que inclui medicamentos mais modernos – além da Rifampicina, também Moxifloxacina, Claritromicina e Minociclina – que têm se mostrado mais eficientes. Em pacientes resistentes, que estão com a doença ativa e em evolução, os marcadores genéticos foram encontrados positivos em apenas 2,1% da amostra.
De acordo com o hansenologista, o trabalho com o novo modelo tem sido feito às custas de doações de pacientes, porque os medicamentos são de alto custo e não estão disponíveis no SUS. “E esse projeto não foi aceito para ser subsidiado pelo Ministério da Saúde quando o submetemos a aprovação, em 2020. O objetivo era ter um número maior de pacientes e, consequentemente, uma melhor forma de avaliar os resultados”, conta Marco Andrey.
Para o médico, que também é coordenador do Centro de Referência Nacional em Dermatologia Sanitária com Ênfase em Hanseníase do HC Ribeirão Preto, os governos deveriam estar mais preocupados em atualizar os protocolos de tratamento da doença, porque o risco de transmissão do bacilo resistente, que não vai responder ao protocolo convencional já em uso há 40 anos, é muito grande. Há estudos, já divulgados em várias publicações científicas brasileiras e estrangeiras, mostrando altos índices no Brasil de falência de tratamento (quando o paciente conclui o tratamento, mas ainda apresenta bacilos vivos) ou recidiva (volta da doença em algum momento posterior, após alta médica) por causa de cepas resistentes. “Por isso estamos investindo também em novo esquema de tratamento, que é o Rimoxiclamin”, acrescenta o médico.
Protocolo do anos 1980
O Brasil é o segundo país com mais casos de hanseníase no mundo, ficando atrás apenas da Índia. Segundo a SBH, são notificados cerca de 30 mil novos casos por ano (número teve queda durante a pandemia de coronavírus por falta de diagnóstico), mas a estimativa é de que haja de três a cinco vezes mais casos de hanseníase no Brasil, pois ela é subdiagnosticada no país.
Infecciosa e contagiosa, a hanseníase é causada pelo bacilo Mycobacterium leprae, que afeta os nervos. Como sintomas, o paciente pode ter dificuldades para segurar objetos, diminuição ou perda de sensibilidade na pele (por isso pode sofrer um ferimento e não sentir), redução da força muscular e apresentar caroços e manchas avermelhadas ou esbranquiçadas na pele de qualquer parte do corpo.
O esquema poliquimioterápico (PQT) utilizado pelo SUS foi preconizado pela OMS em 1982 e utiliza os medicamentos Clofazimina, Rifampicina e Dapsona.
O impacto da PQT na cura e diminuição no número de casos foi significativo até o final dos anos 1990, mas, de acordo com o médico Marco Andrey, depois dos anos 2000 não se verificou redução importante no número de casos novos de hanseníase.
Nos casos em que os médicos já insistiram na repetição do esquema poliquimioterápico sem resposta satisfatória, o serviço público oferece ainda duas drogas alternativas, mas alguns pacientes também resistem. “A partir daí, você não tem mais alternativa de como tratá-los na rede SUS, daí a necessidade urgente de um novo esquema para quebrar a cadeia de transmissão do bacilo, conferir qualidade de vida e dignidade a esses pacientes e suas famílias”, conclui Marco Andrey.
Os impactos para o paciente sem outras opções de tratamento são os mais diversos, de acordo com o hansenologista. O diretamente relacionado à doença é o paciente ainda ter bacilos viáveis destruindo mais nervos e tornando-o ainda mais incapaz. “Os pacientes em recidiva às vezes são acometidos de novos quadros reacionais, o que faz com que eles se tornem usuários de Talidomida ou Prednisona (corticoide) por longos períodos e acabam tendo os efeitos colaterais, por exemplo, do corticoide, que é obesidade, hipertensão, diabetes, osteoporose, catarata, várias comorbidades que comprometem ainda mais a qualidade de vida desse paciente. Além disso, há os prejuízos emocionais de continuarem em tratamento e apresentando risco de transmissão. Há um processo de culpabilização e discriminação cada vez maior dos pacientes. Isso acaba gerando um estresse muito grande”, enumera o médico.
O 16º Congresso Brasileiro de Hansenologia tem apoio do Ministério da Saúde, CNPQ-Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e OPAS-Organização Pan-Americana da Saúde.
AGENDA:
16º Congresso Brasileiro de Hansenologia
Data: 7 a 10/12
Local: Sheraton Vitória Hotel – Vitória/ES
Informações e inscrições: www.sbhansenologia.com.br