Para Yussif Ali Mere Jr., estratégia para descontruir noções errôneas será mais custosa
Foram décadas de educação nos bancos escolares até que a estratégia de vacinação brasileira se tornasse exemplo mundial. Mas hoje, entre os grandes desafios do novo governo federal, na área da saúde, está o de elevar as metas de cobertura vacinal no Brasil, com vistas à recuperação dos índices de menos de dez anos atrás – passavam, todos, de 90%, sendo que contra a poliomielite chegou a quase 98%.
Para o médico Yussif Ali Mere Jr., presidente da Fehoesp (Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo), isso passa por reestruturar o PNI (Programa Nacional de Imunizações), contaminado, na última gestão, pelo movimento antivacina, endossado pelo governo anterior, “mas passa também por uma política de educação em todo o sistema de ensino brasileiro”, comenta.
Reconhecido como referência mundial pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço da Organização Mundial de Saúde (OMS), o PNI foi considerado um marco histórico na saúde brasileira pela coleção de avanços conquistada via cobertura vacinal. Entre eles a eliminação, no Brasil, do sarampo e do tétano neonatal, o controle de outras doenças imunopreveníveis, como difteria, coqueluche e tétano acidental, hepatite b, meningites, febre amarela, formas graves da tuberculose, rubéola e caxumba em alguns Estados, e a manutenção da erradicação da poliomielite em território nacional.
Isso porque o programa de imunizações brasileiro oferece, de forma gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mais de 20 imunizantes para diversas doenças, sendo 17 vacinas para crianças, sete para adolescentes, cinco para adultos e idosos e três para gestantes. Todas fazem parte do Calendário Nacional de Vacinação, documento que estabelece a aplicação das vacinas de rotina para cada fase da vida.
Ao todo, hoje o PNI oferta 47 diferentes imunobiológicos, mas a cobertura vacinal no país sofreu retrocessos ao longo dos últimos anos. Desde 2018, por exemplo, nenhuma das 15 vacinas integrantes da caderneta infantil do programa atingiu a meta de imunização, de acordo com o Ministério da Saúde – todas ficaram abaixo de 70% de cobertura, algumas perigosamente em torno dos 50%.
De acordo com dados da pesquisa Inquérito de Hesitação Vacinal, conduzida em parceria por Ministério da Saúde, Beneficência Portuguesa de São Paulo e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), apenas 60% das crianças de até 2 anos estão com a vacinação em dia no Brasil. Só 3% dos mais de 31 mil entrevistados entre 2020 e 2021 admitiram não terem levado os filhos para tomar ao menos uma vacina – aparentemente baixo, esse percentual é suficiente para comprometer as metas de vacinação necessárias para proteger a população, que giram em torno de 95%.
Parte dos pais também afirmou não ter conseguido vacinar os filhos mesmo tendo comparecido a postos de saúde. Os principais motivos elencados foram falta de vacina (44,1%), sala de vacinação fechada (10,8%), contraindicação da vacinação por um profissional de saúde (7,9%) e – o mais preocupante – a crença de que levar os filhos para tomar vacinas contra doenças controladas é desnecessário (16%).
Na opinião de Yussif, os números são, no mínimo, preocupantes, já que algumas doenças só desapareceram graças à vacinação em massa e, à medida que os índices de cobertura diminuem, a chance de voltarem cresce na mesma proporção – o sarampo, por exemplo, foi erradicado do Brasil em 2016, mas retornou em 2018.
Para o médico, há muito o que fazer para que o PNI volte a ser referência mundial e essa missão passa por algumas frentes, segundo ele: perseguir novas metas de cobertura vacinal e melhorar a logística de distribuição das vacinas, como medidas emergenciais. “Será preciso investigar, por exemplo, por que faltam vacinas nos postos e trabalhar para facilitar o acesso da população a elas, por meio de sua disponibilização em mais locais de grande circulação, como escolas e terminais de transporte coletivo, por exemplo. Mas o maior trabalho será descontruir uma cultura negacionista e fazer com que a sociedade respeite os preceitos da ciência”, conclui Yussif.