Sociedade Brasileira de Hansenologia pede providências ao Ministério da Saúde – medicação é doada pela OMS e produção internacional não foi interrompida na pandemia
A Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH) oficiou formalmente o Ministério da Saúde para que tome providências para solucionar a falta de medicamentos que pode estar ocorrendo em algumas regiões brasileiras. O problema vem sendo notificado informalmente ao governo federal desde março, mas o caso foi agravado com as denúncias iniciadas no estado de Pernambuco.
O presidente da SBH, dermatologista e hansenólogo Claudio Guedes Salgado, e o também dermatologista e hansenólogo Francisco Almeida, representante da SBH no Nordeste, denunciam que também faltam medicamentos substitutivos. A poliquimioterapia (PQT) para tratamento da hanseníase é doada pela Organização Mundial de Saúde e a produção não foi interrompida durante a pandemia do novo coronavírus, conforme documento disponibilizado no site Global Partnership for Zero Leprosy (https://zeroleprosy.org/novartis-kalwe-site-associates-mdt-covid19/).
O ofício da SBH alerta para os vários riscos ocasionados pela interrupção dos tratamentos. “A falta de tratamento aos pacientes de hanseníase pode acarretar problemas gravíssimos ao paciente e à sociedade em geral. Individualmente, o paciente não tratado fatalmente evoluirá com a história natural da doença para a incapacidade física, maior mantenedora de estigma e preconceito na sociedade, que será também coletivamente afetada pela transmissão do bacilo mantida pelos pacientes sem tratamento, bem como por todos os custos, emocionais, sociais e financeiros advindos da falta da PQT e das possíveis medicações substitutivas utilizadas para o tratamento da hanseníase. Adicionalmente, e tão grave quanto, existe a possibilidade do surgimento de cepas resistentes aos antibióticos tradicionais, que se juntariam às cepas resistentes já circulando no Brasil, potencializando significativamente o problema para a sociedade brasileira. Reiteramos que, caso se opte pela disponibilização dos medicamentos substitutivos, estes devem ser garantidos aos pacientes durante todo o tempo de tratamento”. O ofício acaba de ser publicado no site da SBH (http://www.sbhansenologia.org.br/noticia/oficio-da-sbh-ao-ministerio-da-saude-sobre-falta-de-medicamentos-para-tratamento-da-hanseniase).
O Brasil é o segundo país com mais casos de hanseníase – perde apenas para a Índia. Apesar de notificar oficialmente cerca de 30 mil casos/ano (a título de comparação, este número é similar às notificações anuais de casos de AIDS somados aos casos de HIV positivos), a SBH já denunciou para vários organismos internacionais e também para o governo federal que existe uma endemia oculta no país por falta de diagnóstico e que os números podem ser de 3 a 5 vezes maiores que os dados oficiais.
O hansenólogo Francisco Almeida denunciou à diretoria da SBH que, apenas na unidade de referência de Cabo de Santo Agostinho, na região metropolitana do Recife, encontram-se 220 pacientes em tratamento para a hanseníase, incluindo crianças, além da demanda preocupante de novos casos e recidiva (volta da doença, após o encerramento do tratamento) que por ora ficarão sem tratamento.
A hanseníase tem cura. Mas o diagnóstico no Brasil é feito tardiamente porque falta capacitação dos serviços de Atenção Básica à Saúde, quando o paciente já apresenta sequelas – durante todo o ano a SBH promove cursos gratuitos de capacitação/treinamento para profissionais de saúde nas regiões brasileiras de alta endemicidade para a doença. A falta de medicamentos certamente provocará o surgimento e agravamento de sequelas incapacitantes e irreversíveis. A hanseníase é transmitida por um bacilo que afeta os nervos. A evolução da doença cursa com perda de sensibilidade na pele e perda de força nos músculos da face, mãos e pés. A hanseníase é a doença infecciosa que mais cega no mundo.
Anualmente, o Brasil dispende milhões de reais, através do INSS, em benefícios por afastamentos temporários ou permanentes por hanseníase. “O diagnóstico precoce evitaria não apenas os custos financeiros, mas a marginalização desses pacientes”, alerta Salgado. No final de 2019, a SBH entregou à Relatoria Especial das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra Pessoas Afetadas pela Hanseníase e seus Familiares um documento de mais de 40 páginas denunciando as várias formas de preconceito existentes no Brasil contra essas pessoas.