Pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP, a fisioterapeuta Thania Loiola Cordeiro Abi Rached está acostumada a receber em seu consultório pacientes encaminhados para tratamento fisioterápico por doenças como artrite reumatóide ou síndrome do túnel do carpo, por exemplo, diagnosticadas a partir de dores em articulações de joelho ou pés e mãos. “Muitos pacientes chegam depois de passarem por um reumatologista, ortopedista, entre outros especialistas, para tratar uma dor. Os profissionais vão descartando várias doenças sem lembrar que vivemos numa região endêmica de hanseníase, em um país que é o segundo do mundo em número de casos da doença”, comenta.
Thania é daqueles profissionais da saúde que consideram a hipótese de hanseníase para dores nas articulações. Por isso, em casos assim, antes de iniciar o tratamento, ela testa a sensibilidade de pés e mãos do paciente. “Se vejo que tem muita alteração, encaminho para o especialista confirmar a hipótese diagnóstica e, em caso de ser mesmo hanseníase, indicar o tratamento”, diz.
A SBH-Sociedade Brasileira de Hanseníase tem alertado autoridades brasileiras e estrangeiras, há anos, sobre a existência de milhares de doentes sem diagnóstico sofrendo e transmitindo a doença a seus comunicantes. Outra preocupação é o diagnóstico tardio. “O paciente já chega com deformações nos pés, mãos, face, orelhas, com mãos em forma de garras, pés caídos e perda de movimentos com incapacidade para o trabalho”, exemplifica Thania.
Segundo o Boletim Epidemiológico da Hanseníase 2022 do Ministério da Saúde, 19.963 casos novos da doença foram diagnosticados no Brasil de 2011 a 2020 com grau 2 de incapacidade física, ou seja, com sequelas irreversíveis e incapacitantes. O boletim fala em 7,1% de casos novos de hanseníase diagnosticados já com grau 2, em 2011, e 10% em 2020. O documento ressalta que a proporção de casos novos de hanseníase diagnosticados com grau 2 é um importante indicador de diagnóstico tardio no país.
Diagnóstico precoce cura
Se o paciente é diagnosticado precocemente, um protocolo de reabilitação de funções motoras pode ser bem-sucedido para reverter o processo de instalação de sequelas. A avaliação padronizada pela OMS-Organização Mundial de Saúde, feita logo no início do tratamento, orienta quanto ao protocolo de reabilitação para cada caso. Quando já existem incapacidades, o fisioterapeuta acompanha o paciente por uma jornada com terapias de reabilitação e uma vida com órteses ou próteses para auxiliarem na locomoção e no desempenho de algumas atividades mecânicas.
“Uma incapacidade muito comum no paciente com hanseníase é o pé caído. Nesse caso, ele pode usar uma calha posicionadora, que é uma órtese para ajudá-lo a andar. Também tem que colocar uma palmilha, porque ele vai perder a sensibilidade do pé, o que favorece formação de calo e ferida. Se a pessoa tiver uma garra na mão, teremos de fazer ajustes para ela conseguir desempenhar suas funções no dia a dia, seja apertar um parafuso, cortar um alimento, limpar a casa etc. Se for preciso, adaptamos suas ferramentas para ela trabalhar. Temos que monitorar, acompanhar, ensiná-lo a andar de novo”, descreve Thania.
Para a fisioterapeuta, o diagnóstico tardio compromete a saúde e também a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares, gerando uma série de problemas de ordem social. “Eles se sentem perdendo a dignidade duas vezes. Primeiro quando recebem o diagnóstico. A pessoa fica estigmatizada, por isso não quer contar que está fazendo o tratamento nem para familiares, que também precisam ser avaliados. Segundo, quando desenvolvem incapacidades, não conseguindo mais fazer seu trabalho e pequenas ações dia a dia, como lavar um copo. Por isso a gente não pode pensar só em tratar a doença, mas também a pessoa”, afirma Thania.
Evolução
A hanseníase é uma doença infecciosa causada pelo bacilo Mycobacterium leprae, que agride pele e nervos. O paciente costuma apresentar como sintomas dores pelo corpo, diminuição ou perda de sensibilidade em algumas partes, manchas irregulares avermelhadas ou esbranquiçadas na pele, ausência parcial ou total de suor e perda de pelos em algumas regiões do corpo, entre outros.
De acordo com Thania, o tempo que o paciente demora para manifestar sintomas, após ter contato com o bacilo, varia de 7 a 10 anos. “Cada pessoa vai manifestar as sequelas de uma forma. Uma pessoa bem nutrida, por exemplo, que tem o sistema imunológico bem formado, terá um avanço um pouco mais lento da doença em relação às outras”, explica.
E nem sempre o doente apresenta sinais visíveis da hanseníase, como as manchas hipocrômicas, manifestações na pele de que o bacilo está alterando a inervação local. “A gente tem que lembrar que hanseníase não é uma doença dermatológica, mas neural. Teve uma época em que ficava se focando muito na questão de mancha, inclusive classificando os pacientes pela quantidade de manchas que tinham. ´Mas a hanseníase é uma doença dos nervos”, frisa Thania.
Segundo a fisioterapeuta, geralmente, os primeiros sintomas costumam ser perda de sensibilidade em alguns lugares do corpo, mais comumente nas plantas dos pés e nas palmas das mãos. Em seguida, o doente começa a perder força. “Com a evolução da perda de força, os membros vão se deformando. São essas sequelas que a gente gostaria de evitar, com avaliação e diagnóstico precoce”, conclui.
Integrante da lista mundial de Doenças Tropicais Negligenciadas, a hanseníase coloca o Brasil na segunda posição no ranking mundial de casos (perde apenas para a Índia). O país ainda concentra 93% dos casos diagnosticados nas Américas.