Para que? Para que procurar o finito no infinito?
Porque fincar barreiras quando eu tenho toda extensão para voar?
Pagu em Microcosmo, caderno de 1939 escrito na prisão
O livro “Os Cadernos de Pagu”, com organização e notas da escritora Lúcia Teixeira, biógrafa de Pagu, será lançado em outubro pelas editoras Nocelli (um selo para publicações especiais da Editora Reformatório) e Unisanta, uma publicação especial para jogar luz na vida e obra da autora homenageada nesta FLIP 2023. No novo livro, Lúcia apresenta cinco cadernos manuscritos inéditos dos anos 1920 a 1960 (até sua morte), revelando aspectos desconhecidos, desde a incursão de Pagu no Modernismo Antropofágico, a produção de texto na fase de adesão político partidária, seus primeiros passos como dramaturga, em inéditas peças teatrais, a partir de 1931, além de escritos sobre literatura e outros escritores e algumas cartas para Oswald de Andrade e Geraldo Ferraz, entre outros.
“Pagu nos guia, nessa inédita produção, como documentalista de si própria, em profusa e fragmentada autobiografia, dos anos 1920 até sua morte, e no diálogo com outros poetas e prosadores que a influenciaram. Nesses cadernos está registrado seu tempo particular, surpreendente e único, com seu modo vivo de pensar e de escrever o mundo”, diz Lúcia.
Para a autora, Pagu continua sendo a voz que clama, em um mundo ameaçado pela morte e desintegração, como o que vivemos, pela conciliação necessária do papel do pensador, do escritor, entre o trabalho e a cultura. Lúcia também destaca o interesse de Pagu pelo teatro já em suas primeiras produções, inéditas: “Esse amor pelo teatro se inicia nos manuscritos que reproduzimos e até a entrega total ao fazer teatral, como gestora, tradutora, fazendo da transgressão ato criador, até sua morte, nos anos 1960, em textos belíssimos”.
Há vários momentos desconhecidos na obra: “Em 1933, ela lança “Parque Industrial”, primeiro romance social proletário brasileiro, modernista e precursor, assinando Mara Lobo. Pagu analisou de forma crítica sua própria produção, fazendo um balanço da Literatura Moderna do Brasil. No Suplemento Literário do jornal O Diário de São Paulo, em 1946, contestou “a fanática gente da literatura social”. Justifica citando Marx, leitor de Balzac: “Uma obra literária só existe em função de seu valor literário”.
Outra descoberta nos manuscritos foi a defesa das mulheres, exploradas em sua condição de gênero social ou como trabalhadoras. “E, mais do que isso, aparece o papel do racismo na questão da opressão de gênero e manutenção das desigualdades estruturais”, completa Lúcia.
Entre mais de três mil documentos de seu acervo pessoal sobre Pagu, iniciado final dos anos 80 e concentrados no Centro Cultural Pagu Unisanta, em Santos (SP), Lúcia garimpou, entre os documentos inéditos, a carta de 1933, de Pagu para Oswald de Andrade. “Então militante política comunista e perseguida pela polícia brasileira, o partido sugeriu a ela uma viagem à Rússia; e se embarcasse o mais rápido possível, receberia credenciais. Oswald iria encontrá-la logo depois, o que acabou não acontecendo. Viaja sozinha, enviando matérias para os jornais Correio da Manhã, Diário de Notícias, e Associados São Paulo”.
Lúcia é autora da Trilogia Pagu -Livre na Imaginação, no Espaço e no Tempo; Croquis de Pagu; e VIVA PAGU – Fotobiografia de Patrícia Galvão, indicado para o prêmio Jabuti 2011. Como biógrafa e profunda conhecedora de sua vida e obra, a escritora ficou muito feliz com a escolha da FlIP “Jornalista, mulher precursora, musa modernista do Movimento Antropofágico, militante política, incentivadora cultural, moderna e pós-moderna em sua obra e vida, Pagu sempre esteve à frente de seu tempo. Portanto, nada mais justo do que relembrá-la e universalizar sua produção e importância para a cultura brasileira”.
Para Lúcia, pesquisar e escrever sobre Pagu foi uma forma de fazer justiça: “Eu quis revelar suas lutas pela liberdade, contra a violência e o preconceito, o apoio à cultura e seu lado humano. Foi uma mulher que não teve medo de rever posições durante as várias fases da vida, uma jornalista documentando fatos e deixando pistas de seu trabalho. O seu exemplo de solidariedade também é importante nesse momento, em que precisamos tanto de esperança. E ela ainda tem muito a nos dizer”.
Marcelo Nocelli, da Editora Reformatório, comenta: “Ter estes manuscritos da Pagu publicados em livro é não só um registro para tornar este material mais acessível e conhecido, mas também um excelente objeto de estudo e pesquisa da vida e obra de Patrícia Galvão. São anotações, rascunhos, ideias para livros e peças de teatro, livros iniciados, e até uma lista de compras pessoal, que nos permite não só uma crítica genética do seu trabalho como escritora, mas também nos possibilita perceber de maneira mais sublime, seu estado de espirito em cada fase, em cada mudança e escolha de caligrafia, em cada acontecimento em sua vida pessoal’.
Para ele, os originais nos aproximam, particular e carinhosamente, dessa grande figura: “Ativista política, ícone do feminismo e de mudanças de comportamento, mulher forte nas falas e escritas, com a imagem muitas vezes deturpada por alguns, que aqui se desmistifica, nas muitas fragilidades expostas nas entrelinhas destes cadernos, por sua própria conta, por seus próprios escritos. Se eu acreditasse na ideia de comunicação além-morte-vida, diria que ela deve estar feliz com isso. Posso afirmar que manipular estes originais é uma das minhas maiores realizações como editor, e agradeço a Lúcia Teixeira pela confiança”.
Sobre Lúcia Teixeira
Doutora e mestre em Psicologia da Educação, educadora, psicóloga, pesquisadora e escritora. Recebeu relevantes prêmios no Brasil e no exterior e indicações para o prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira. É autora de 11 livros premiados nas áreas de Educação, Literatura, Psicologia e temáticas infanto-juvenis. Suas pesquisas sobre Ensino Superior embasaram o Plano Nacional de Educação.
Diretora-presidente do Instituto Superior de Educação Santa Cecília, que mantém a Universidade Santa Cecília – Unisanta, e diretora do Colégio Santa Cecília, em Santos. É a primeira mulher a ocupar a presidência do Semesp, entidade que representa as instituições de ensino superior do país.