Trabalhos expostos no congresso de hansenologia utiliza cores típicas de Mondrian para explicar como a doença se manifesta na pele
Presidente da SBH-Sociedade Brasileira de Hansenologia, o hansenólogo Marco Andrey Cipriani Frade criou a primeira exposição virtual no Metaverso voltada a explicar a hanseníase de forma didática e artística. A mostra acaba de ganhar sua versão física em 23 quadros e cinco poemas autorais e está exposta no 17º Congresso Brasileiro de Hansenologia, que acontece até dia 27 de setembro, em Cuiabá. Utilizando as cores prediletas do consagrado artista holandês Piet Mondrian, o médico explica como acontece a perda de sensibilidade na pele do paciente de hanseníase.
A exposição “Sensibilidade em Cores – hanseníase numa releitura de Mondrian” pretende desmistificar a doença e o diagnóstico. “O diagnóstico é clínico. Em estágio inicial, quando são maiores as chances de cura sem sequelas, a doença se manifesta nos nervos e é quando o paciente sente formigamentos, fisgadas em algumas partes do corpo e começa a perder a sensibilidade. Ele se machuca e pode não sentir”, explica Frade.
A ideia nasceu de uma série de fotos que o especialista registrou em consultório médico, ambulatórios e em residências de pacientes com hanseníase. Para descobrir regiões do corpo já afetadas pela doença e que apresentam perda de sensibilidade à dor, ao calor, frio ou mesmo ao toque, o médico utiliza filamentos de nylon de cores, espessuras e pesos diferentes para testar a sensibilidade da pele. Em casos mais graves, o paciente não sente um filamento de 300 gramas na pele.
Em cada local com perda de sensibilidade, o médico faz marcações com canetinhas nas cores correspondentes aos filamentos de nylon:
- Verde: 0,07 gramas
- Azul: 0,2 gramas
- Violeta: 2,0 gramas
- Vermelho escuro: 4,0 gramas – se o paciente não sente este filamento, já não consegue perceber quente/frio e está vulnerável a lesões
- Laranja: 10,0 gramas
- Vermelho magenta: 300 gramas
- Preto: perda de sensibilidade à pressão profunda, normalmente não pode sentir dor
“A perda gradual da sensibilidade é um sinal de que a doença está avançando e quanto mais cedo for diagnosticada, menor o risco de o paciente adquirir sequelas, muitas vezes incapacitantes e irreversíveis”, explica Frade. O Brasil ainda diagnostica tardiamente a hanseníase – depois que o paciente passou anos percorrendo serviços de saúde com diagnósticos para artrite, artrose e muitas outras doenças, sem suspeitar da hanseníase. “Esse paciente será diagnosticado anos depois, quando a doença já aparece fisicamente com manchas, perdas de movimentos ou até cegueira, e nosso desafio é diagnosticar no estágio inicial”, alerta o presidente da SBH.
A mostra apresenta uma sequência de 23 quadros que explicam a perda gradual de sensibilidade provocada pela hanseníase em braços e pernas, pés e mãos de pessoas afetadas pela doença em vários estágios. As cores que marcaram a obra de Mondrian – branco, preto, amarelo, vermelho, azul – são as cores usadas pelo médico para marcar a pele dos pacientes nas avaliações de sensibilidade, que fazem parte do exame clínico.
Hanseníase
A hanseníase é uma doença provocada pelo bacilo Mycobacterium leprae, o qual afeta os nervos e, se não diagnosticada e tratada precocemente, provoca perda de sensibilidade principalmente nos braços e pernas, podendo afetar outras áreas do corpo. Além de outros sinais e sintomas, como o surgimento de manchas avermelhadas ou esbranquiçadas na pele, a perda ou diminuição de sensibilidade são sintomas importantes para o diagnóstico da doença. A hanseníase tem cura e o tratamento é gratuito. Ao iniciar o tratamento, o paciente não transmite a doença a seus comunicantes. O Brasil é o segundo país com mais casos da doença.
Marco Andrey Cipriani Frade é dermatologista e hansenólogo, professor na Faculdade de Medicina USP-Ribeirão Preto e coordenador do Centro de Referência Nacional em Dermatologia Sanitária com Ênfase em Hanseníase do Hospital das Clínicas/Ribeirão Preto.
O responsável pela organização da mostra no espaço virtual foi o médico infectologista e hansenólogo Bruno Vitiritti, responsável pelo Ambulatório de Infectologia e Hansenologia de Caçador-SC, professor do curso de medicina da Universidade do Alto Vale do Rio do Peixe (UNIARP).
Poema
Íntegra de um dos poemas da mostra:
Quando não sinto meus joelhos
É como se o mundo inteiro parasse
E eu ficasse flutuando no ar
Sem saber para onde ir
Sem minhas pernas para me sustentar
Eu me sinto vulnerável e frágil
Como orar sem os sentir?
Como voltar a ser forte com tantas cores?
Mas mesmo que eu não sinta meus joelhos
Eu sei que posso continuar a lutar
Pois minha mente e meu coração
São minhas verdadeiras fontes de poder
E enquanto eu tiver esses dois
Eu nunca estarei realmente sem pé ou mão
O verde chegará aos meus joelhos com fé
E disciplina, eu voltarei a sentir